Recorrida...

domingo, 29 de julho de 2012

O Tempo...

O Tempo...

...Vai cruzando, as vezes ligeiro, principalmente quando estamos felizes, as vezes demora quando queremos que passe logo...

Somos fruto do nosso tempo, difícil é entende-lo, é conseguir ser modificador dele, fazer parte dele e a compreeder de que tudo "pode" acontecer ao seu tempo.
Porém o poder acontecer é justamente a capacidade de conseguir modifica-lo e entende-lo.

A busca pela compr
eensão de quem somos é algo que iremos envelhecer, morrer e ainda estaremos nos conhecendo.
Sangue não é água, nascer de quem veio para este mundo com a capacidade de ensinar, e ao mesmo tempo deixar que se forme sua personalidade e seu pensamento sobre as coisas da vida, do nosso Tempo, é quase que uma dádiva, que deve ser conduzida com respeito, dignidade e principalmente orgulho de ser que somos, daonde somos e lógico temos a obrigação de sermos modificadores (para o bem) do nosso Tempo.

Meu Tempo tem me feito feliz, as coisas estão acontecendo ao seu Tempo, meu Tempo me deixa saudades que sempre serão felizes saudades...
Acho que tenho conseguido buscar fazer parte do meu Tempo, agindo, e não vendo ele passar!!!


Bruno

"Ao morrer um homem de 80 anos é como se tivesse morrido com ele uma biblioteca"

Atahaualpa Yupanqui

segunda-feira, 26 de março de 2012

Carta aberta pra Linda dos olhos Verdes...

Era um sábado, a oito anos atrás, neste mesmo horário só o que Eu tinha era dez pila e um ingresso para o baile com o César Oliveira e Rogério Melo que ia ser no Gaspar, mas mesmo com a guaiaca lisa tava loco pra ir, então me fui num amigo, o Rafinha e pedi 20 pila emprestado, na mesma hora ele deu de mão na carteira e me emprestou.

Me pilchei bem gaúcho como de costume e me larguei a pezito no más, dava umas treze quadras da casa que Eu morava, fiz um copo de samba, e fui...


Cheguei ao Baile, encontrei os amigos, o Pantera, o Carancho, o Arremangado e mais outros que não me lembro, tudo perto da copa, ali a pouco enxerguei os Graxaim num canto, cumprimentei toda a gurizada e peguei uma gelada, como de costume indaguei pra os que ali já estavam sobre as de saia.


Dei uma volta no salão e me topei, os olhos verdes, a mesma morena do cabelo cacheado que em outra feita me deixou sozinho guitarreando pra lua depois de cair da cadeira pela hipnose daqueles olhos. Ela já tinha me disparado uma vez, mas hoje me palpitou que a noite era minha...

“A lua em seu lugar,
Brilhou mais forte e teu cabelo iluminou.
Na noite que era de bailar,
Que parou mansa quando teu rosto me cruzou!”


Mirei e me fui, saquei da boina e lhe estendi o braço, ela puxou a amiga dizendo que ia ao banheiro, e Eu pressentido disse que tava esperando, me estaqueei como um capincho na barranca dum rio e fiquei no aguardo...

“E Eu no meu “gauderiar”,
Não entendia este destino para mim.
Quando te tirei pra dançar,
Me disse não, com os olhos dizendo sim!!”


Fazem oito anos, que quando ela saiu do banheiro eu braceei ela pelo meio sem deixar me dizer que não. __Vamo dança agora Sim!


E largamo, a oito anos atrás, ao embalo dum chamarrão, demos volta e meia no salão, e o que para uns é tragédia pra mim foi o prenuncio da vitória, quebrou o salto do sapato preto que Ela usava.


Bah, foi que dali em diante não teve mais de baile, não olhava mais para os lados, nos estabelecemos perto da entrada e ali tirei horas no pé do ouvido, tentando convencer que a queria, uma sede descomunal, os amigos perto da copa não vinham para o nosso lado, bailavam e voltavam para a bebida, e Eu ali, loco de sede, mas não podia abrir o cavalo, que se facilitasse perdia a prenda que ali estava... fazem oito anos.


Por mais que ela fugisse, virando o rosto pra o lado, foi e foi, devagarinho, e quando ela me permitiu sentir o aroma do seu pescoço, dali pra frente, não tinha mais volta era minha aquela morena...


E a oito anos atrás, ao som dos Loco lá da fronteira, o primeiro beijo, o prenuncio do fim de uma solidão que Eu nem sabia que me judiava...


Foi chegando o fim do baile e me olhando bem no fundo do olho, ela me disse, se queres mesmo, aparece na minha casa amanhã para o mate...

“E um convite pra matear,
Num domingo primereando este Amor.
E Eu a Te enxergar
Tive a certeza que o “Tempo Só”, já se acabou.”

Eu fui lá no outro dia, ela não acreditava, quando entrei procurei os lábios que na noite passada tinham sido meus, mas ela não deixou. Que raio de mulher é essa? Só mais curioso me deixava, e isto a oito anos atrás, tive que me sentar e somente conversar, outro beijo que tanto queria só o provei pela bomba de mate. 

Quando caiu a noite, fui me despedindo e antes de sair pela porta foi ela que me beijou, e daí, já se vão oito anos que ganho este mesmo beijo.

“E hoje ao recordar,
Me lembro o baile que Eu fui por solidão!
E lá fui encontrar...
...a Flor mais linda que brotou neste rincão!!!”

Te quero pra sempre pra mim, Te Amo muito minha Linda, minha Fran, minha... ...“Morena dos Olhos Verdes”!!!

“E esta Zamba...
...é a confissão, do meu peito que sorriu quando te vi!
E estes versos que Te trago,
Lembro o beijo que Te dei
E o medo que na hora Eu senti!
Pois a linda que Eu beijei,
Virou Mulher do meu “Amar”
E agora canto nesta Zamba só pra TI!!!!”


Te Amo e que venha os próximos 8 e mais 8 mais 8 e mais 8 e mais 8 e mais 8...
Bagé, 26 de março de 2012, lua Nova.


PS: Até hoje devo aqueles 20 pila pra o Rafinha, rsrsrsrs

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Salve Dom Caetano...

Realmente impressionante este tema que trago pra os amigos!!!

A veracidade e beleza do verso do Jayme são nada mais nem menos que fantásticos, um poeta autêntico, terrunho, porém com um linguajar polido, correto, inteligente e bagual, ou seja, NOSSO.
Um representante da nossa fala, das nossas angústias e necessidades, retratando nada além da nossa terra, da NOSSA GENTE.

Não sei quando foram escritos estes versos, porém parece que foi ontem...

PAYADA DO NEGRO LÚCIO
Jayme Caetano Braum






Vou tenteando na cambona
Já bem abaixo do meio,
Lá pras bandas do rodeio
Ouço um berro de mamona;
Aqui guitarra e cordeona,
Chimarrão - fogo de anjico;
O sol já com braço e pico
Neste final de janeiro
Que vai indo mais ligeiro
Do que soldo de milico!

Mateando - meio solito
Porque o patrão e a peonada
Já saíram pra invernada,
Há muito tempo - cedito,
O sábado está bonito
E a indiada aqui da fazenda
De tarde - se vai a venda
E aos bolichos do caminho,
Ou então - beber carinho
Nos braços de alguma prenda!

Mas enquanto eu chimarreio
Neste morrer de janeiro,
Meu pensamento chasqueiro
Se aviva - mascando o freio
E sai - a pedir rodeio
Nas lembranças - retoçando;
Eu me paro - recordando
As falas do negro lúcio,
Muito maior que confúcio
Pra filosofar trançando!

E ele sempre me dizia,
Enquanto tirava um tento,
Naquele linguajar lento
Cheio de sabedoria:
- a noite é a ilhapa do dia
Na argola da escuridão,
É quem garante o tirão
Em todas as lidas sérias,
Neste varal de misérias
Que é a existência do cristão!

Deus não fez rico nem pobre,
Peão - patrão ou capataz,
Isso é o destino quem faz
E - como é - não se descobre,
O nobre que nasce nobre
Nem sempre assim continua;
Pra beleza da xirua
Ou cavalo de carreira
Não adianta benzedeira,
Nem reza ou quarto de lua!

Enquanto filosofava
Naquele estilo sereno
O semblante do moreno
Parece - se iluminava,
A vivência é que falava
Naquela conversa mansa
E - no fundo da lembrança,
Inda o escuto reafirmar:
- parar não é descansar
Porque estar parado - cansa!

Dele mil vezes ouvi
O que tem que ser - será,
Por longe que o homem vá
Jamais fugirá de si
E com ele eu aprendi
As cousas da natureza,
A fidalguia - a franqueza
E aquela velha sentença:
- atrás da cinza mais densa
Existe uma brasa acesa!

E chego a ouvi-lo fazer
Junto dum fogo de chão,
Uma grande distinção
Entre existir e viver;
Filho, dizia - morrer
Não é mais do que uma viagem,
Por isso não é vantagem
O forte fazer alarde
Que - às vezes - pra ser covarde,
Precisa muita coragem!

Inda vejo o conselheiro
Que evoco com devoção
Naquele estilo pagão
De confúcio galponeiro
Que me dizia: parceiro
Nesta existência brasina,
Cada qual traz uma sina
Que força alguma desvia
E nada tem mais valia
Que as coisas que a vida ensina!

Filho - a verdade - verdade
Que nenhum sistema esconde
É que o povo não tem onde
Suprir a necessidade
E vive pela metade
Abaixo de tempo feio,
Vai explodir - já lo creio,
A tampa dessa panela,
Nem adianta acender vela
Pro negro do pastoreio!

Como encontrar os perdidos
Num país deste tamanho,
Se venderam o rebanho
E os homens foram vendidos,
Se os chamados entendidos
Falam de cara risonha
Defronte a crise medonha
De estelionatos e orgias,
Quem mente todos os dias
Vai ficando sem vergonha!

Aqui o rio grande isolado
Pela mão pátria madrasta,
Dia a dia - mais se afasta
Do poder centralizado,
Mesmo que guaxo pesteado
Botado de quarentena,
Quanto ao capataz - que pena,
Não serve para o rio grande
Na hora de ficar grande
Se abatata e se apequena!

Na hora de dizer: pára!
Àqueles que nos ofendem,
Desrespeitam - desatendem
Ao rio grande tapejara,
Não sei porque - esconde a cara,
Quando a ocasião é mostrá-la,
Calçar o pé - erguer a fala
Porque esta terra pampeana
Não é a "casa da mãe joana"
E nem tão pouco senzala!

Não é ofensa - capataz,
É que os homens desta terra,
Adquiriram na guerra
Direito de estar em paz,
Dentro dum clima capaz
De viver em harmonia,
Sem toda essa vilania
De boicotes e de ameaça
Que estão fazendo - de graça
À velha capitania!

A própria carne importada
Lá de fora - é um desaforo,
E o calçado - há tanto couro
E gado nesta invernada
E arroz da safra passada,
Pra que essa compra mesquinha,
Querem nos dobrá a espinha
E nos cortar a garganta,
Mas rio grande - não se espanta
Como se faz com galinha!

Que lindo se - o presidente
Em vez de passear na europa,
Passasse em revista a tropa
Deste país continente
E num gesto inteligente
Viesse ao rio grande fronteiro
Que já era brasileiro
Antes mesmo de vespúcio
E levasse o negro lúcio
Pra servir de conselheiro!

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Aqui...

O progresso e o tempo novo
mataram os rebanhos,
as comparsas de esquila a martelo...
O brete - o rodeio e as marcações proteira a fora...
O rádio emudeceu as vitrolas
e o caminhão matou o tropeiro


E o homem?
E a mulher?




Ah! Estes ainda não...
Os homens e mulheres deste pago
estão como cernes de guajuvira,
eretos e firmes, como sempre.


Nas suas almas está guardada
a melhor fibra da raça crioula,
mantendo, como patrimônio maior,
a honra, a dignidade, o apego ao chão,
ao trabalho duro e honesto.


A gente do meu rincão
sabe arrancar deste solo
o seu sustento suado.





Crescemos tranqueando atrás do arado
e conversando com os bois;
por isso o braço forte, as mãos,
 a alma e o coração calejados pelo trabalho pacífico;
conduta que adquirimos pelos ensinamentos
dos nossos anteriores,
que balizaram rumos para nós;
montaram a cavalo para defender
e tornar brasileiro o chão onde pisamos
e que guarda suas cinzas.


Aqui, as nostalgias da campanha
encontram amparo nas cruzes sozinhas
quando debruçam as sombras, de braços abertos,
sobre a teimosia dos pajonais...
e por essas imagens é que as saudades
ganham a estaturas de cerros.


Aqui, repartimos a dor em silêncio,
porque a alma, quando está ferida,
substitui as palavras pelo idioma do coração.


Aqui, a sombra dos cinamomos
é muito mais que uma sombra...
É o lugar onde comungam os mansos e xucros,
remoendo, tranquilos, nos sóis de verões,
a seiva natural dos campos e onde as espécies se igualam,
celebrando a vida ao redor das casas.






Apenas aqui o andante descobre
o valor de um "Ô de casa",
quando, sovado de corredores,
bate palmas de esperança
na frente de um parapeito,
e as portas se abrem para ouvir
os seus relatos colhidos nas estradas.


Aqui, a cordeona tem voz de recuerdo,
a guitarra tem alma de pátria e querência.
Os galos acordam as madrugadas
e o cheiro dos campos vem dormir dentro de casa.






Aqui, se conhece a volta certa
dos cambões das porteiras
e se entende de laços, arames e tranças,
de potros e domas, conjuntas e jugos,
arados e enxadas, mariposas e galeotas,
machados e tiradeiras...






Aqui, as mangueiras encerram
os tombos dos pealos e os comandos de "Forma Caalo";
os berros das vacas mansas
timbram a alma do pago,
com refrões enluarados de madrugada.






Apenas aqui ainda se ouve,
nas tardes quentes de chuva,
o tuco-tuco, justificando seu nome,
e as calhandras ainda encontram
varais com charque para temperar o assovio.


Nas noites quentes ainda se escuta
a saparia afiando o canto
nas chairas dos juncais.
As esporas ainda riscam o chão dos galpões,
e as botas têm o couro marcado pelo suor dos cavalos...






As chaminés dos fogões a lenha
ainda fumegam pelas madrugadas
e ainda se pode ouvir as cantigas das sangas claras,
os berros de touro e a cantoria dos grilos.
As babas-de-boi tremulam nos caraguatás,
hasteando, em mastros de espinhos, os rumos dos ventos.






Aqui, ainda se pode ver bombachas remendadas
e camisas feitas de saco, estendidas
num quarador próximo a tabua de bater roupas,
nos empedrados das sangas.


As mulheres ainda usam sombrinhas,
lenços na cabeça, para a lida,
e ainda bordam panôs, aventais, guardanapos...
E ainda fazem pão com torresmo.


Aqui, a sabedoria secular ensinou que,
fazendo uma cruz com carvão sobre os ovos de galinha,
para chocar, os trovões não conseguem gorar;
e a natureza se encarrega de "descascar"
as ninhadas e espalhar infâncias de veludo
nos terreiros bem varridos.


Aqui, ainda se usa o macete
e a mordaça para sovar um couro...
e se toma café com bolo frito
nas tardes chuvosas de inverno.






A cicatriz dos rodados,
que nascia das cacimbas,
hoje serve de caminho
para a sobra dos aguaceiros
engordam as enchentes.
Às vezes, o céu pinga pelas goteiras
dos nossos tetos, apaga luas e estrelas,
mas acende, em cada um, a sabedoria e a esperança.






Aqui, a felicidade não tem anéis nos dedos e nem diplomas
nas paredes, mas se tem olhos na alma capazes de
interpretar as parábolas da natureza - porque sabemos
que os cantos matinais dos sabiás e bem-te-vis são, na verdade,
UM DIÁLOGO COM DEUS.


Letra de Eron Vaz Mattos
Extraída do livro e cd "Canto Ancestral" de Lisandro Amaral.
Desenhos de Átila Sá Siqueira

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Manifesto Criolo!!!!!!

MANIFESTO CRIOLO

Cantando estas verdades
Que brotam da minha garganta
Até mesmo se espanta
Estes que têm a culpa
Sua incoerência sepulta
Ao negar o chão fronteiro
Entregando por dinheiro
A cultura que Eu me Agarro
Estão como o João de Barro
Chocando o Ovo Alheio!

Então Eu me manifesto
Na minha xucra linguagem
Deste jeito sobra coragem
Pra defender minha cultura
É com raça e com bravura
Legado herdado por mim
E o meu cantar sai assim:
Num versejar protestante
Aos que pisam o semelhante
Fazendo de trampolim!!!!

Não me sujeito às amarras
Desta gente infiel
Continuo o meu papel
Sempre firme na batalha
Meu verso nunca falha
Pois sustento a identidade
Ao cantar com propriedade
Hablando com sentimento
E mostrando meu lamento
Com as mazelas da sociedade

Pois cantando o meu chão
Legado dos ancestrais
Aos quatro pontos cardeais
Eu defendo o meu recanto
Pela pampa me levanto
Em uma luta incessante
Realidade constante
Que vai brotando rebeldia
Por ver tanta anarquia
Partindo dos governantes!

Tem tanta coisa passando
De qualquer jeito no más
Já me sinto quase incapaz
De dar um basta imponente
Pois com órgãos coniventes
Com a pobreza cultural
Município, estado ou federal
Numa gandaia de governo
Admitindo o atropelo
Da cultura regional

Se a mim chamam de bairrista
Por sustentar o que penso
Fica aqui meu consenso
De hereditária cultura
Se a minha simples figura
Lutando pela tradição
Abraçado ao violão
Num xucro e nobre ritual
Sou Latino e Universal
Por ser cantador do meu chão


Bruno Teixeira
Verão / 2010
Lua crescente

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Mais uma obra da nossa literatura criola!!!!!!

POEMA CIRCULAR
(Apparício Silva Rillo)


Não,
não me procurem mais
no meu velho endereço lá no campo.
Eu estou me mudando,
eu estou de mudança
estou mudado.

Compreendam:
no meu velho endereço lá no campo
só me havia ficado o coração
-já menos moço para os frios de agosto,
-para os ventos parados do verão.
O resto:
braços, pernas,
mãos, tronco e cabeça -
há muito tempo pagava fretes
num caminhão de carga que os trazia
pela fita do asfalto,
de um a um.

Claro,
vim aos pedaços,
como resistindo.
E quanto resisti!

Partido,
repartido,
a metade de lá chamava a outra
que tinha se mudado para aqui.

Eu ia.
e no meu velho endereço lá no campo
estava a bombacha vazia
no espaldar da cadeira.
E como é triste a bombacha vazia de seu dono!
O chapéu sem cabeça, nos cabides,
um lenço colorado sem pescoço,
as botas paralíticas
junto ao penico de louças, sob a cama,
-o meu jeito de andar perdido delas.

Não,
não me procurem mais
no meu velho endereço lá no campo.
Eu estou me mandando,
eu estou de mudança,
estou mudado.

Trouxe nas malas anos de recuerdos:
as esporas do avô, um mango retovado,
uma franja de pala, um barbicacho,
um estribo sem loro, uma cambona,
uma panela com terra,
um boizinho de argila, que não berra
e um cavalo de ventos para andar.

Tudo isso nas malas!
Elas que são o avesso da gente,
porque são íntimas de nós,
e nos carregam.

Não,
não mandem mais
a meu velho endereço lá no campo:
livros de versos, discos e romances,
revistas e jornais.
Nem aviso de amigos que morreram,
nem notícias de netos que chegaram
como o menino Jesus, pelos Natais.

Tudo isso:
-vinho de alma, pão para a matéria -
tem un novo endereço de remessa:
uma casa de brisa e tijolos
numa cidade que eu amei depressa
pelas raízes campeiras, que ainda encontro
nas ruas de seus bairros e travessas.

Ah, quanto cantei
-de alma limpa e boa boca,
em salmos e protestos e orações -
o meu terrunho onde deixei plantado
o que tive de melhor no coração!

Um dia, os que virão
hão de saber que estanciei por lá,
nessa casa amparada por retratos
que vigilam na sombra como guardas
de uma herança que eu não sei quem herdará!

Na casa,
fiéis como esses gatos que não mudam
embora se mude o dono e vá-se embora,
estarão os meus livros e a vitrola
para falarem por mim - pelos meus versos,
para cantarem por mim - pelas cantigas...

E assim me hão de encontrar os que saudarem
nos portais do terrunho, ó "Ó de casa!"
Que no meu tempo escancarava portas
e abria corações para os andantes.

Não,
não me procurem mais
no meu velho endereço lá no campo.
Eu estou mudado,
eu estou de mudança,
já mudei!